terça-feira, 16 de agosto de 2011

Cotidiano da mercantilização da vida

Não é mais o galo que anuncia aos quatro ventos o nascer do dia. O acontecimento é anunciado pelo relógio da praça e pelo barulho dos carros, que lá fora, começa a aumentar. O barulho se altera. O silêncio da madrugada não tem mais vez diante de tanta coisa que acontece num mesmo espaço de tempo.
Quando o despertador incomoda com seu barulho chato, diz que é hora de levantar. Não para se tomar um bom café, ouvir uma boa música ou ler um bom livro. É hora de levantar, tomar banho e trabalhar.
A dona de casa faz tudo quase que no automático: levanta, mal tem tempo pra fazer um xixi e já tem que colocar a água do café pra ferver. Enquanto escova os dentes, já vai atrás das moedas pra comprar o pão na padaria mais próxima e da toalha para colocar na mesa. Quando os filhos acordarem e o marido, tudo tem que estar pronto. Esses tomarão o café e irão para o trabalho ou para a escola. A dona de casa por sua vez, ficará em casa, trabalhando também, lavando, passando, cozinhando e cuidado das ninharias que a sociedade insiste em ignorar.
Ao chegar na escola, os filhos descobrem que não haverá aula. A professora de ambos está atuando na greve, que acabou de ser deflagrada, exigindo seu direito de melhores condições de trabalho e valorização do mesmo. As crianças voltam pra casa e encontram a dona de casa arrumando as coisas, e pedindo as crianças para irem brincar.
Enquanto isso, a professora dos meninos está numa passeata no centro da cidade, exigindo que o governo a receba, dizendo a sociedade que, para que haja uma educação de qualidade, a profissão de professor deve ser valorizada!
A dona de casa não entende muito bem dessas coisas e não gosta de ver seus filhos em casa, ociosos, mas não tem opinião formada sobre se fazer greve é certo ou errado. Pouco tempo tem pra pensar, abstrair. Pouco tempo tem para aprender. Quando muito, ela apreende o que tem que ser feito e sabe executar muito bem as tarefas incubadas em sua criação desde pequena. Ao recordar da infância lembra que gostava de brincar de escolinha e que seu sonho era um dia ser professora. Casou cedo, teve filho cedo. Não pode realizar seu sonho, como muitas donas de casa por aí... Por via das dúvidas, apóia a greve, indiretamente. Acha que os professores devem saber o que fazem.
A professora das crianças sofre repressão policial nas ruas. Leva spray de pimenta e cassetadas durante a passeata pacifica. O Estado reprime e o governo se recusa a receber os professores.
O marido da dona de casa chega do trabalho e pede sua janta. Cansado de dirigir o dia todo, mal presta atenção na dona de casa. Nesse momento, o cheiro que vem das panelas é a única coisa que chama sua atenção. Os filhos já dormem e a dona de casa toma um banho depois de um dia de tarefas cansativo. Ambos trabalharam muito, tanto a dona de casa como seu marido, mas no final do mês apenas este vai receber dinheiro pelo seu trabalho. A dona de casa não recebe gratificações. A sociedade insiste em dizer que ela não faz nada mais que sua obrigação. Vão se deitar, marido e mulher. E, enquanto a dona de casa não consegue desligar, pensando no que se tem a fazer amanhã, já se pode ouvir os sons de ronco do marido que trabalhou fora o dia todo. A dona de casa o abraça e ele retribui com um beijo em sua testa. Depois volta a roncar.
Depois de um dia inteiro na delegacia, fazendo b.o, denunciando a repressão e com a assembléia geral marcada já para o dia seguinte, a professora chega, tarde da noite em casa, exausta, mas com a sensação de dever cumprido. O seu marido também é professor e enquanto ela estava na passeata, estava em reunião sindical da categoria, para decidirem os próximos passos da greve. Quando ela chega, ele já está em casa, esperando pra contar as últimas novidades e perguntar como foi o dia da greve.
Ela chega, toma um banho e vai fazer a janta, enquanto o marido senta ao seu lado na cozinha e conta sobre a reunião. Ela faz a janta pros dois e depois de ter comido, o marido vai deitar, enquanto a professora termina de lavar a louça e colocar o lixo na rua. Estão juntos na greve,mas o cotidiano os separa.
No fundo, mesmo sem saber, a dona de casa e a professora tem algo em comum, algo que as une. Entender esse algo é compreender que a luta das trabalhadoras é também a luta das donas de casa, é a luta de todas as mulheres da classe trabalhadora. Entender esse algo é também compreender que a luta das professoras é a luta dos professores, dos trabalhadores e trabalhadoras, das estudantes e dos estudantes, enfim, de todas as pessoas que sofrem, cotidianamente, as opressões impostas pelo capitalismo e que insistem em atacar a nossa vida e o nosso cotidiano.
É necessário também que se compreenda que a consciência feminista necessária para a superação das relações entre homens e mulheres só poderá ser alcançada quando superarmos essa estrutura de sociedade na qual nos encontramos, quando superarmos a vida compartilhada pelo trabalho e exploração do mesmo. É necessário que mulheres e homens, trabalhadoras e trabalhadores se unam na perspectiva de um novo projeto de sociedade, que traga o fim dessa lógica de exploração  e o começo de um tempo verdadeiramente livre, onde todas e todos sejam potencialmente iguais.

A luta das trabalhadoras e trabalhadores da educação é a luta de todas as donas de casa, de todas as estudantes, de todas as mulheres!
A luta das professoras e professores é a luta de todas e todos nós!

Um comentário:

  1. http://www.bibliotecafeminista.org.br/ Achei esse site. Tem muitaaaaaa coisa boa! Artigos, livros, textos...

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