domingo, 16 de outubro de 2011

Apresentação da Programação de Outubro

Durante o segundo semestre de 2011, nós, do coletivo Todas, passamos por um processo de reorganização e fortificação de formações, com o intuito de compreendemos melhor o que o feminismo nos traz como desafio.
Em setembro lançamos a nossa primeira apostila de formação com três textos que procuravam compreender 1) A sociedade em que vivemos; 2) Os paradigmas do movimento feminista; 3) As origens da opressão sexual – patriarcado.
      Dessa forma, durante o mês, nos reunimos algumas vezes para discutimos e pensarmos na articulação do movimento e nas perspectivas críticas diante da realidade.
      Chegamos a outubro com um desafio maior: Compreender como a teoria marxista, que deu origem a revolução de Outubro, têm encarado e contribuído nos estudos e práxis sobre a questão da opressão de gênero.
      É importante lembrar que o estopim da Revolução Russa foi uma greve puxada por mulheres que exigiam paz e pão, devido as condições precárias em que se encontrava a Russa Czarista e ao cenário horripilante de guerra. Mulheres, que levantaram as vozes quando tentaram-nas silenciar e fazer acreditar em sua submissão. Mulheres, sem as quais, a classe trabalhadora não teria corpo, nem subsidio para enfrentar os ataques constantes do regime capitalista e claro, mulheres, que se destacaram fortemente na militância socialista e fizeram história, como Rosa Luxemburgo, Alexandra Kollontai, Clara Zetkin, N. Krupskaia, etc.
Entender o entendimento marxista sobre a opressão de gênero é importante para entendermos os desafios que um movimento feminista que de fato esteja comprometido com os interesses das mulheres trabalhadoras, tem hoje.

Como já dizia C. Drummond:

Ó vida futura, nós te criaremos!

E podemos completar:

sem desigualdades, sem opressões e sem amarras...



Juliana Magalhães



Fortaleza, Outubro de 2011

CALENDÁRIO DE FORMAÇÕES E TEXTOS:

I -  18/10 – TERÇA-FEIRA 11 hrs

Manifesto Comunista – Parte I – 'Burgueses e Proletários' – Karl Marx

Texto que fala um pouco do processo histórico da luta de classes e dá margem à um debate inicial para compreendermos o Feminismo por uma questão de classe.

II – 25/10 – TERÇA-FEIRA 11 hrs

Processo de trabalho e Processo de valorização – Karl Marx

Texto que aborda questões acerca do processo de trabalho e de como, a partir desse processo, há a organização da vida social capitalista. (classes).

III – 26/10 – QUARTA-FEIRA 14 hrs

Cine-clube: Madame Satã, 2002, Direção: Karim Aïnouz

Rio de Janeiro, 1932. No bairro da Lapa vive encarcerado na prisão João Francisco (Lázaro Ramos), artista transformista que sonha em se tornar um grande astro dos palcos. Após deixar o cárcere, João passa a viver com Laurita (Marcélia Cartaxo), prostituta e sua "esposa"; Firmina, a filha de Laurita; Tabu (Flávio Bauraqui), seu cúmplice; Renatinho (Felippe Marques), sem amante e também traidor; e ainda Amador (Emiliano Queiroz), dono do bar Danúbio Azul. É neste ambiente que João Francisco irá se transformar no mito Madame Satã, nome retirado do filme Madame Satã (1932), dirigido por Cecil B. deMille, que João Francisco viu e adorou.

Debate sobre a questão LGBTT e o corte de classe necessário para entendermos quem de fato compõe a grande maioria da comunidade LGBTT

IV – 8/11 – TERÇA-FEIRA 11 hrs
Capítulo 3 do livro: Feminismo: O ponto de vista marxista. - Zuleika Alambert
Discussão: Engels – A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado
O texto procura estudar a análise de Engels sobre a origem da opressão da mulher.

V – 22/11 – TERÇA-FEIRA 11 hrs
Capítulo 7 do livro: Feminismo: O ponto de vista marxista. - Zuleika Alambert
Discussão: V.I Lênin – Emancipação ou Libertação da Mulher
Debate sobre o ponto de vista de Lênin sobre a chamada questão feminina

VI – 29/11 – TERÇA-FEIRA 11 hrs
Contribuição Crítica ao Movimento LGBTT – Lucas Vidal
Análise crítica sobre a relação do movimento LGBTT com o Marxismo e a sua relação com a luta contra a contradição capital x trabalho.

VII – 30/11 – QUARTA-FEIRA 11 hrs
Roda de Sínteses das disussões ocorridas.


sábado, 24 de setembro de 2011

Cine Clube pela Descriminalização do Aborto!




Dia 28 de setembro é o Dia Mundial de Luta pela Descriminalização do Aborto, neste cine clube procuraremos debater a importância histórica deste dia e a quem a criminalização do aborto realmente atinge. Também vamos conversar sobre a provocação feminista feita no festival "Vulva la Vida" em Salvador-BA.

Os filmes? Serão exibidos e debatidos os documentários "O aborto dos outros" e "Vulva la vida, vida lá vou eu".

Participação no debate: Thais Nascimento - Banda Baby Lizz

E o lugar? Centro de Humanidades da UECE, 28/09 (quarta-feira) às 14 horas.

Ressaltando a importância do debate para o fortalecimento da consciência crítica e feminista!

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Mulheres militantes nos dias da Grande Revolução de Outubro - Alexandra Kollontai

As mulheres que participaram na Grande Revolução de Outubro – quem eram elas? Indivíduos isolados? Não, havia multidões delas; dezenas, centenas e milhares de heroínas anônimas que, marchando lado a lado com os operários e camponeses sob a Bandeira Vermelha e a palavra-de-ordem dos Sovietes, passou por cima das ruínas do czarismo rumo a um novo futuro...
Se alguém olhar para o passado, poderá vê-las, essa massa de heroínas anônimas que outubro encontrou vivendo nas cidades famintas, em aldeias empobrecidas e saqueadas pela guerra... O lenço em sua cabeça (muito raramente, até agora, um lenço vermelho), uma saia gasta, uma jaqueta de inverno remendada... Jovens e velhas, mulheres trabalhadoras e esposas de soldados camponesas e donas-de-casa das cidades pobres. Mais raramente, muito mais raramente nesses dias, secretárias e mulheres profissionais, mulheres cultas e educadas. Mas havia também mulheres da intelligentsia entre aqueles que carregavam a Bandeira Vermelha à vitória de Outubro – professoras, empregadas de escritório, jovens estudantes nas escolas e universidades, médicas. Elas marchavam alegremente, generosamente, cheias de determinação. Elas iam a qualquer parte que fossem enviadas. Para a Guerra? Elas colocavam o quepe de soldado e tornavam-se combatentes no Exército Vermelho. Se elas portassem fitas vermelhas no braço, então corriam para as estações de primeiros-socorros para ajudar o Front Vermelho contra Kerenski na Gatchina. Trabalhavam nas comunicações do exército. Trabalhavam felizes, convictas que alguma coisa significativa estava acontecendo, e que nós somos todos pequenas engrenagens na única classe revolucionária.
Nas aldeias, a mulher camponesa (seus maridos tinham sido enviados para a Guerra) tomava a terra dos proprietários e arrancava a aristocracia dos postos onde ela se alojou por séculos.
Quando alguém recorda os acontecimentos de Outubro, não vê faces individuais, mas massas. Massas sem número, como ondas de humanidade. Mas onde quer que olhem, vêem homens – em comícios, assembléias, manifestações...
Ainda não tinham certeza do que exatamente eles queriam, pelo que lutavam, mas sabiam uma coisa: não iriam continuar suportando a guerra. Nem mesmo desejavam os proprietários de terras e ricos… No ano de 1917, o grande oceano de humanidade se levanta e se agita, e a maior parte desde oceano feita de mulheres… Algum dia a historia escreverá sobre as proezas dessas heroinas anônimas da revolução, que morreram na Guerra, foram mortas pelos Brancos e amargaram incontáveis privações nos primeiros anos seguintes a revolução, mas que continuou a carregar nas costas o Estandarte Vermelho dos Poder Soviético e do comunismo.
Isto é para aquelas heroínas anôminas, que morreram para conquistar uma nova vida para a população trabalhadora durante a Grande Revolução de Outubro, para aqueles a quem a nova república agora se curva em reconhecimento assim como ao seu povo jovem, alegre e entusiástico, começando a construir as bases do socialismo.
Entretanto, fora deste mar de mulheres de lenços e toucas surradas inevitavelmente emergem as figuras daquelas a quem os historiadores devotarão atenção particular, quando, muitos anos depois, eles escreverem sobre a Grande Revolução de Outubro e seu líder, Lênin.
A primeira figura que emerge é a da fiel companheira de Lênin, Nadezhda Konstantinovna Krupskaya, vestindo seu vestido cinza liso e sempre se esforçando para permanecer em segundo plano. Ela poderia passar desapercebida por uma assembléia e colocar-se em embaixo de algum pilar, mas ele via e ouvia tudo, observando tudo o que acontecia, então ela poderia mais tarde fornecer um relato completo para Vladimir Ilich, adicionar seus próprios hábeis comentários e expor uma idéia sensata, apropriada e conveniente.
Nesses dias Nadezhda Konstantinovna não falou nas numerosas e turbulentas assembléias nas quais as pessoas giravam em torno da grande questão: os Sovietes conquistariam o poder ou não? Mas ela trabalhou incansavelmente como braço direito de Vladimir Ilich, ocasionalmente dando depoimentos e relatando críticas nas reuniões do partido. Em momentos de grande dificuldade e perigo, quando muitos camaradas firmes perderam o ânimo e sucumbiram às dúvidas, Nadezhda Konstantinovna permaneceu sempre a mesma, totalmene convencida da justiça da causa e de sua vitória certa. Ela transmitia inabalável confiança, e sua firmeza de espírito, escondia uma rara modéstia, sempre contaminava com seu ânimo todos aqueles que entravam em contato com a companheira do grande líder da Revolução de Outubro.
Outra figura que se destaca – outra leal parceira de Vladimir Ilich, uma camarada-em-armas durante os anos difíceis do trabalho clandestino, secretária do Comitê Central do Partido, Yelena Dmitriyevna Stassova. Inteligente, com uma rara precisão, e uma excepcional capacidade para o trabalho, uma rara habilidade para “apontar” as pessoas certas para o trabalho. Sua altura, sua majestosa figura poderia ter sido a primeira no Soviete no palácio Tavricheski, depois na causa de Kshesinskaya, e finalmente Smolny. Nas suas mãos segurava um caderno de anotações, enquanto em seu redor multidões de camaradas do front, trabalhadores, guardas vermelhos, membros do partido e dos Sovietes, buscando rapidamente, respostas claras ou ordens.
Stassova carregou a responsabilidade por muitos negócios importantes, mas se um camarada demonstrava necessidade ou angústia nesses dias tempestuosos, ela sempre podia auxiliar, fornecendo explicações, respostas aparentemente rudes, mas ela fazia o que estava ao seu alcance. Ela foi esmagada com trabalho, e sempre estava a seu posto. Sempre em seu posto e, no entanto, nunca empurrou para a linha de frente, nunca adiou. Ela não gostava de ser o centro das atenções. Sua preocupação não era com ela mesma, mas com a causa.
Para a nobre e estimada causa do comunismo, pela qual Yelena Stassova experimentou o exílio e a detenção nas penitenciárias do regime czarista, deixando-a com a saúde prejudicada... Em nome da causa ela era firme como aço. Mas em relação ao sofrimento de seus camaradas ela demonstrava a sensibilidade e a receptividade que só se encontram em uma mulher com um coração afetuoso e nobre.
Klavdia Nikolayeva era uma mulher trabalhadora de origem muito humilde. Ela uniu-se aos bolcheviques já em 1908, nos anos da reação, e suportou o exílio e a prisão... Em1917 ela retornou a Leningrado e se tornou a organizadora da primeira revista para as mulheres trabahadoras, Kommunistka. Ela ainda era jovem, cheia de ânimo e ansiedade. Então ela segurava firmemente o estandarte, e corajosamente declarava que as trabalhadoras, esposas de soldados e camponesas precisavam ingressar no partido. Ao trabalho, mulheres! Vamos defender os Sovietes e o Comunismo!
Ela discursava em comícios, ainda nervosa e insegura de si, mas já atraia as pessoas para segui-la. Ela era a única entre os que carreavam no ombro todas as dificuldades envolvidas na preparação do caminho a se seguir, disseminando o envolvimento das mulheres na revolução, uma daquelas que lutou em duas frentes – pelos Sovietes e o comunismo, e ao mesmo tempo para a emancipação das mulheres. Os nomes Klavdia Nikolayeva e Konkordia Samoilova, que morreram exercendo funções revolucionárias em 1921 (vítimas da cólera), são indissoluvelmente ligados aos primeiros e mais difíceis passos do movimento das trabalhadoras, particularmente em Leningrado. Konkordia Samoilova foi uma militante do partido de incomparável abnegação, excelência, uma oradora metódica que sabia ganhar os corações dos trabalhadores. Aqueles que trabalhavam ao seu lado lembrarão por por muito tempo de Konkordia Samoilova. Ela era simples nos costumes, simples na aparência, exigente na execução das decisões, severa com ela mesma e com os outros.
Particularmente notável é a gentil e encantadora figura de Inessa Armand, que foi incumbida de um trabalho partidário muito importante na preparação da Revolução de Outubro, e que depois contribuiu com muitas idéias criativas para o trabalho entre as mulheres. Com toda sua feminilidade e bondade nas maneiras, Inessa Armand era inabalável em seus convicções e capaz de defender aquilo que ela acreditava correto, nesmo quando deparada com temíveis oponentes. Depois da revolução, Inessa Armand se dedicou à organização do amplo movimento das trabalhadoras, e a conferência foi sua criação.
Um imenso trabalho foi feito por Varvara Nikolayevna Yakovleva durante os difíceis e decisivos da Revolução de Outubro em Moscou. No terreno de batalha das barricadas ela mostrou a determinação meritória de uma líder do quartel-general do partido. Muitos camaradas disseram na ocasião que sua determinação e coragem inabaláveis foi o que deu ânimo aos vacilantes e inspirou aqueles que haviam perdido suas forças. “Avante!” – para a vitória.
Assim que se recorda das mulheres que tomaram parte na Grande Revolução de Outubro, mais e mais nomes e faces surgem como mágica da memória. Poderíamos falhar ao honrar hoje a memória de Vera Slutskaya, que trabalhou de modo abnegado na preparação para a revolução e que foi morta pelos Cossacos no primeiro front Vermelho próximo a Petrogrado?
Podemos nos esquecer de Yevgenia Bosh , com seu temperamento inflamado, sempre pronta para a batalha? Ela também morreu no trabalho revolucionário.
Podemos nos omitir de mencionar aqui dois nomes intimamente ligados com a vida e a atividade de V. I. Lênin – suas duas irmãs e companheiras em armas, Anna Ilyinichna Yelizarova e Maria Ilyinichna Ulyanova?
…E a camarada Varya, das oficinas de linhas de trem em Moscou, sempre animada, sempre inquieta? E Fyodorova, trabalhadora têxtil de Leningrado, com seu rosto amável e sorridente e seu destemos quando estava lutando nas barricadas?
É impossível listar todas elas, e quantas delas permanecem desconhecidas? As heroínas da Revolução de Outubro formavam todo um exército, e embora seus nomes estejam esqucidos, sua abnegação vive em cada vitória daquela revolução, em todos os ganhos e façanhas desfrutadas pelos trabalhadores da União Soviética.
É logico e incontestável que, sem a participação das mulheres, a Revolução de Outubro não traria a Bandeira Vermelha da vitória. Glória às trabalhadoras que marcharam sob a bandeira vermelha durante a Revolução de Outubro. Glória à Revolução de Outubro que libertou as mulheres!

Diário das Mulheres, nº 11, Novembro de 1927

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A Greve das/dos professoras/es e a luta das mulheres

Estamos vivendo em Fortaleza, um momento histórico instigante: De um lado, um governo autoritário e ditatorial que insiste em não conversar com todas e todos que estão em seu pleno direito de greve e de outro um movimento grevista de professoras e professores estaduais que pede o mínimo que se pode querer: respeito à lei do piso salarial. 
Dentro do movimento, as militâncias são muitas, pensamentos diversos que hora colaboram e hora atrapalham o caminhar da greve. O horizonte final é consenso, mas os caminhos percorridos variam grandissimamente.
Qual o cenário da greve? Professoras e Professores, homens e mulheres juntos, de mãos dadas, pelos interesses da classe trabalhadora.
E é assim que tem que ser! Que se una a classe até chegarmos ao horizonte e possibilidade de uma sociedade onde de fato, sejamos potencialmente iguais, verdadeiramente livres!
É no dia a dia da luta, no cotidiano da tomada de consciência que avistamos um lugar para além da sociedade capitalista. Uma sociedade futura pela qual não esperamos, mas sim, construímos dia após dia, greve após greve, luta após luta.
É na tomada de consciência que diz ser possível existir uma sociedade diferente, emancipadora, que temos a possibilidade de fortalecer a nossa consciência feminista e lutar pelos nosso direitos também!
Hoje? A grande maioria da categoria (professoras/res) é formada por mulheres, mal remuneradas e que, em um ato de bravura e coragem decidem continuar a greve, apesar das tentativas grotescas do sindicato de findar a jornada (APEOC).
E é participando do comando de greve, dos zonais, das atividades de greve, que a mulher trabalhadora fortalece sua consciência e pode lutar pelos direitos das mulheres e de toda a classe trabalhadora!



TODO APOIO A GREVE DAS/DOS PROFESSORAS/ES ESTADUAIS DO CEARÁ!


A LUTA DAS/DOS PROFESSORAS/RES ESTADUAIS É A NOSSA LUTA!

CINE CLUBE - CH UECE - 15/09



CONVIDAMOS À TODAS E TODOS PARA O NOSSO PRIMEIRO DEBATE ABERTO DO SEMESTRE, NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ.

O Tema? Mulher e Produção na Sociedade Capitalista, fazendo uma ligação com a participação das mulheres na greve das/dos professoras/es estaduais no Ceará.

O filme? Revolução em Dagenham, sobre a greve das funcionárias da Ford em 1968

E o lugar? Centro de Humanidades da UECE, 15/09 às 14 horas.

Ressaltamos a importância do debate para o fortalecimento da consciência crítica e feminista!

domingo, 21 de agosto de 2011

Se ele tivesse nascido mulher... Eduardo Galeano


Dos dezesseis irmãos de Benjamin Franklin, Jane é a que mais se parece com ele em talento e força de vontade.

Mas na idade em que Benjamin saiu de casa para abrir seu próprio caminho, Jane casou-se com um seleiro pobre, que a aceitou sem dote, e dez meses depois deu à luz seu primeiro filho. Desde então, durante um quarto de século, Jane teve um filho a cada dois anos. Algumas crianças morreram, e cada morte abriu-lhe um talho no peito. As que viveram exigiram comida, abrigo, instrução e consolo. Jane passou noites a fio ninando os que choravam, lavou montanhas de roupa, banhou montões de crianças, correu do mercado à cozinha, esfregou torres de pratos, ensinou abecedários e ofícios, trabalhou ombro a ombro com o marido na oficina e atendeu os hóspedes cujo aluguel ajudava a encher a panela. Jane foi esposa devota e viúva exemplar; e quando os filhos já estavam crescidos, encarregou-se dos próprios pais, doentes, de suas filhas solteironas e de seus netos desamparados.

Jane jamais conheceu o prazer de se deixar flutuar em um lago, levada a deriva pelo fio de um papagaio, como costumava fazer Benjamin, apesar da idade. Jane nunca teve tempo de pensar, nem se permitiu duvidar. Benjamin continua sendo um amante fervoroso, mas Jane ignora que o sexo possa produzir outra coisa além de filhos.

Benjamin, fundador de uma nação de inventores, é um grande homem de todos os tempos. Jane é uma mulher do seu tempo, igual a quase todas as mulheres de todos os tempos, que cumpriu o seu dever nesta terra e expiou parte de sua culpa na maldição bíblica. Ela fez o possível para não ficar louca e buscou, em vão, um pouco de silêncio.

Seu caso não despertará o interesse dos historiadores.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Oficina de Cartazes é realizada nessa quarta, no Bosque de Letras

Nessa quarta-feira, o Coletivo Todas se reuniu para uma oficina de Cartazes no Bosque de Letras, da UFC. O objetivo era se manifestar sobre o ato de homofobia que aconteceu durante o recesso das aulas no Centro de Humanidades da  UECE. Alguns cartazes serão colocados no CH da Uece como forma de denunciar, reprovar e se manifestar contra a ação de homofobia.




quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Abertura da Marcha das Margaridas reúne 50 mil pessoas em Brasília

Cerca de 50 mil pessoas acompanharam a abertura da 4ª Marcha das Margaridas na tarde desta terça-feira (16), no Parque da Cidade, em Brasília. A marcha é coordenada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agriocultura (Contag) e outras entidades sindicais.

Nesta quarta, as trabalhadoras fazem marcha na Esplanada dos Ministérios por mais direitos às mulheres no campo. Para a realização do evento, trechos do Eixo Monumental estarão fechados entre 6h e 12h.
O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, que estava na abertura do evento, afirmou que a marcha não vai causar incômodo à população. "Tenho certeza que não vai ser um transtorno."
Coordenadora da Marcha das Margaridas e secretária de Mulheres da Contag, Carmen Foro disse que desde a primeira marcha as mulheres "saíram da invisibilidade". “Não acreditamos que há desenvolvimento sem justiça, autonomia, liberdade e igualdade entre homens e mulheres.”
O nome da marcha, que também aconteceu em 2000, 2003 e 2007, é inspirado na sindicalista rural Margarida Maria Alves, assassinada em 1983 em Alagoa Grande, na Paraíba. Entre os objetivos dos manifestantes está o protesto contra as desigualdades sociais, a denúncia a todas as formas de violência, exploração e dominação e o avanço na construção da igualdade para as mulheres.
A líder camponesa Elizabeth Teixeira, de 86 anos, foi homenageada durante a abertura. Viúva do fundador da Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba, João Pedro Teixeira, ela foi presa durante a ditadura e teve marido e dois filhos assassinados na luta por terra. “É muito difícil a vida dos trabalhadores do campo.”
Acompanhada de quatro amigas e um amigo, Maria Da Glória Carneiro Santos, de 56 anos, saiu de Várzea da Roça, na Bahia, para participar pela primeira vez da Marcha das Margaridas. Ela disse que vende cocada para merenda escolar e que está pela segunda vez na cidade. “Espero que a presidente, como mulher, olhe mais para nossas necessidades.”


PLATAFORMA POLÍTICA MARCHA DAS MARGARIDAS:


As Mulheres Trabalhadoras Rurais do campo e da floresta estão na luta e nas ruas por desenvolvimento sustentável com justiça, autonomia, igualdade e liberdade.
Principais eixos da nossa plataforma:

BIODIVERSIDADE E DEMOCRATIZAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS – BENS COMUNS:Em defesa do patrimônio genético, gestão e manejo sustentável dos bens comuns, da matriz energética sustentável, de uma vida saudável, sem agrotóxicos e transgênicos. Em defesa do agro extrativismo, da terra, da água e da floresta viva.

TERRA, ÁGUA E AGROECOLOGIA:Na luta pela reforma agrária, o acesso das mulheres a terra, a democratização e racionalidade no uso dos bens comuns, da agroecologia como modo de produzir e se relacionar na agricultura.

SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL: Queremos o fortalecimento da agricultura familiar,  alimentos saudáveis para a população, a valorização da organização produtiva das mulheres, do comércio justo e solidário e do consumo responsável.

AUTONOMIA ECONÔMICA, TRABALHO, EMPREGO E RENDA:Em defesa da autonomia econômica das mulheres, dos direitos trabalhistas e previdenciários; apoio à organização produtiva com crédito e assistência técnica; valorização da política nacional salário mínimo; por creches nas comunidades rurais;  pela. divisão sexual do trabalho e igualdade no mundo do trabalho,

SAÚDE PÚBLICA E DIREITOS REPRODUTIVOS:Sistema Único de Saúde (SUS) de qualidade;  assistência integral à saúde da mulher; pelo direito ao nosso próprio corpo.

EDUCAÇÃO NÃO SEXISTA, SEXUALIDADE E VIOLÊNCIA:Por uma educação não sexista, pela autonomia econômica e pessoal, livre orientação sexual e o fim de todas as formas de violência contra as mulheres

DEMOCRACIA, PODER E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA:Democracia plena; pela ampliação da participação das mulheres do campo e da floresta nos espaços de poder e decisão política no país e no MSTTR; reforma política  com igualdade para as mulheres.



Mais informações: clique aqui :)

Rola por aí...




Rebelião no Espírito Santo deixou 39 detentas feridas

Em uma penitenciária no Espírito Santo houve na tarde desta segunda-feira (15) uma rebelião que deixou 38 mulheres intoxicadas e uma ferida. A rebelião aconteceu devido a um protesto feito pelas detentas do Presídio Feminino de Tucum, em Cariacica, o motivo do protesto era devido a uma transferência das presas para outra unidade penitenciária. As presidiárias atearam fogo em colchões e houve também a necessidade da intervenção do Corpo de Bombeiros da cidade, que controlou a chama em aproximadamente 30 minutos.
Foram enviadas para o Presídio sete ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) para poder atender às mulheres que ficaram feridas durante a rebelião. A maioria delas precisou de atendimento por terem inalado grande quantidade de fumaça. Após serem atendidas todas as feridas foram enviadas a hospitais da região.
O protesto das detentas era devido a elas não quererem ser transferidas para o Centro de Detenção Provisória de Xuri, em Vila Velha. O motivo da transferência das presas é que o governo pretende desativar o presídio de Tucum, que no momento da rebelião estava abrigando 346 detentas, de acordo com as informações repassadas pelo governo do Estado do Espírito Santo.
A rebelião aconteceu ontem às 16 horas da tarde e somente foi controlado depois de duas horas. Segundo a Secretaria Estadual de Justiça do Espírito Santo, a presa que teria encabeçado a rebelião se chama Marta de Jesus Santos, ela jogou um tanque de lavar roupas nas agentes penitenciárias, que revidaram com tiros, mas a detenta não ficou gravemente ferida.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Cotidiano da mercantilização da vida

Não é mais o galo que anuncia aos quatro ventos o nascer do dia. O acontecimento é anunciado pelo relógio da praça e pelo barulho dos carros, que lá fora, começa a aumentar. O barulho se altera. O silêncio da madrugada não tem mais vez diante de tanta coisa que acontece num mesmo espaço de tempo.
Quando o despertador incomoda com seu barulho chato, diz que é hora de levantar. Não para se tomar um bom café, ouvir uma boa música ou ler um bom livro. É hora de levantar, tomar banho e trabalhar.
A dona de casa faz tudo quase que no automático: levanta, mal tem tempo pra fazer um xixi e já tem que colocar a água do café pra ferver. Enquanto escova os dentes, já vai atrás das moedas pra comprar o pão na padaria mais próxima e da toalha para colocar na mesa. Quando os filhos acordarem e o marido, tudo tem que estar pronto. Esses tomarão o café e irão para o trabalho ou para a escola. A dona de casa por sua vez, ficará em casa, trabalhando também, lavando, passando, cozinhando e cuidado das ninharias que a sociedade insiste em ignorar.
Ao chegar na escola, os filhos descobrem que não haverá aula. A professora de ambos está atuando na greve, que acabou de ser deflagrada, exigindo seu direito de melhores condições de trabalho e valorização do mesmo. As crianças voltam pra casa e encontram a dona de casa arrumando as coisas, e pedindo as crianças para irem brincar.
Enquanto isso, a professora dos meninos está numa passeata no centro da cidade, exigindo que o governo a receba, dizendo a sociedade que, para que haja uma educação de qualidade, a profissão de professor deve ser valorizada!
A dona de casa não entende muito bem dessas coisas e não gosta de ver seus filhos em casa, ociosos, mas não tem opinião formada sobre se fazer greve é certo ou errado. Pouco tempo tem pra pensar, abstrair. Pouco tempo tem para aprender. Quando muito, ela apreende o que tem que ser feito e sabe executar muito bem as tarefas incubadas em sua criação desde pequena. Ao recordar da infância lembra que gostava de brincar de escolinha e que seu sonho era um dia ser professora. Casou cedo, teve filho cedo. Não pode realizar seu sonho, como muitas donas de casa por aí... Por via das dúvidas, apóia a greve, indiretamente. Acha que os professores devem saber o que fazem.
A professora das crianças sofre repressão policial nas ruas. Leva spray de pimenta e cassetadas durante a passeata pacifica. O Estado reprime e o governo se recusa a receber os professores.
O marido da dona de casa chega do trabalho e pede sua janta. Cansado de dirigir o dia todo, mal presta atenção na dona de casa. Nesse momento, o cheiro que vem das panelas é a única coisa que chama sua atenção. Os filhos já dormem e a dona de casa toma um banho depois de um dia de tarefas cansativo. Ambos trabalharam muito, tanto a dona de casa como seu marido, mas no final do mês apenas este vai receber dinheiro pelo seu trabalho. A dona de casa não recebe gratificações. A sociedade insiste em dizer que ela não faz nada mais que sua obrigação. Vão se deitar, marido e mulher. E, enquanto a dona de casa não consegue desligar, pensando no que se tem a fazer amanhã, já se pode ouvir os sons de ronco do marido que trabalhou fora o dia todo. A dona de casa o abraça e ele retribui com um beijo em sua testa. Depois volta a roncar.
Depois de um dia inteiro na delegacia, fazendo b.o, denunciando a repressão e com a assembléia geral marcada já para o dia seguinte, a professora chega, tarde da noite em casa, exausta, mas com a sensação de dever cumprido. O seu marido também é professor e enquanto ela estava na passeata, estava em reunião sindical da categoria, para decidirem os próximos passos da greve. Quando ela chega, ele já está em casa, esperando pra contar as últimas novidades e perguntar como foi o dia da greve.
Ela chega, toma um banho e vai fazer a janta, enquanto o marido senta ao seu lado na cozinha e conta sobre a reunião. Ela faz a janta pros dois e depois de ter comido, o marido vai deitar, enquanto a professora termina de lavar a louça e colocar o lixo na rua. Estão juntos na greve,mas o cotidiano os separa.
No fundo, mesmo sem saber, a dona de casa e a professora tem algo em comum, algo que as une. Entender esse algo é compreender que a luta das trabalhadoras é também a luta das donas de casa, é a luta de todas as mulheres da classe trabalhadora. Entender esse algo é também compreender que a luta das professoras é a luta dos professores, dos trabalhadores e trabalhadoras, das estudantes e dos estudantes, enfim, de todas as pessoas que sofrem, cotidianamente, as opressões impostas pelo capitalismo e que insistem em atacar a nossa vida e o nosso cotidiano.
É necessário também que se compreenda que a consciência feminista necessária para a superação das relações entre homens e mulheres só poderá ser alcançada quando superarmos essa estrutura de sociedade na qual nos encontramos, quando superarmos a vida compartilhada pelo trabalho e exploração do mesmo. É necessário que mulheres e homens, trabalhadoras e trabalhadores se unam na perspectiva de um novo projeto de sociedade, que traga o fim dessa lógica de exploração  e o começo de um tempo verdadeiramente livre, onde todas e todos sejam potencialmente iguais.

A luta das trabalhadoras e trabalhadores da educação é a luta de todas as donas de casa, de todas as estudantes, de todas as mulheres!
A luta das professoras e professores é a luta de todas e todos nós!

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Feministas sim, vadias não! Porque não marchamos...


“Não serei a poeta de um mundo caduco, tão pouco cantarei um mundo futuro”
Nunca se falou tanto em “libertação da mulher”. Em todos os lugares , seja nos movimentos sociais insurgentes nos últimos anos, nas igrejas renovadas e progressistas e mesmo nas telenovelas e propagandas da grande mídia.  A nova mulher é retratada como cidadã livre, dinâmica e que cada vez mais ocupa seu lugar na sociedade em pé de igualdade com o homem.
Essa tão aclamada “libertação” está intimamente ligada a chamada “segunda onda” feminista, surgida na década de 1960 e que tinha como reivindicação principal o direito a livre sexualidade e reprodução da mulher.
Isso tudo como resultado do processo de fragmentação das lutas gerais para as lutas com centralidade em sujeitos específicos (mulheres, negros, índios, homossexuais, lésbicas, etc). Devido ao novo cenário de pós – crise da década de 1960.
A necessidade de expansão constante do sistema capitalista (atrelado a sua própria lógica), trouxe a possibilidade de integração feminina na esfera pública social como a política, o emprego, entre outros. Ao mesmo tempo, possibilitou a “ruptura” com velhas formas de ideologia. Começa-se a questionar nesse período histórico, por exemplo, o papel do modelo imposto de família no qual ocorre o aprisionamento da mulher na esfera do lar, legitimando tal acontecimento.
A crítica do aprisionamento sexual da mulher, adivinda dessa crítica à moral burguesa, surge nesse contexto de mudanças sociais e transformações de mercado. “Revolução sexual” passa a ser o lema  vigorosamente reinvindicado pelas feministas francesas que iam as ruas queimar seus sutiãs e proclamar o direito ao próprio corpo.
Quarenta anos depois, com os “novos mercados” já consolidados, com a democracia burguesa, baseada na cidadania iluminista (direitos e deveres para todos na necessidade de universalizar o acesso ao consumo), a todo vapor, o que se vê concretamente é que , apesar de muitos direitos já conquistados, as mulheres em todo o mundo continuaram responsáveis pela esfera doméstica e sendo vítimas de todas as formas possíveis de violência dentro dessa sociedade.
Evidencia-se então que a crítica moral desconectada da crítica da estrutura sob a qual a sociedade capitalista se assenta - baseada na propriedade privada, exploração do trabalho e valorização do dinheiro para obtenção de mais dinheiro - não é capaz de responder ao nosso tempo.
A crítica a moral “caduca” então, por não saber compreender a sociedade moderna e seus modos de vida atual, tornando-se anacrônica e insuficiente para a luta pela superação da sociedade patriarcal.
Cantar a revolução sexual é, portanto, cantar o “mundo futuro” pois só a partir do momento em que haja uma ruptura radical com a sociedade capitalista patriarcal é que poderá existir um desenvolvimento da sexualidade pleno, capaz de suplantar as relações entre os sexos existentes atualmente.

“Estou presa à vida e olho minhas companheiras, estão abatidas mas nutrem grandes esperanças”
Nesta sociedade, onde os papeis sociais e sexuais, femininos e masculinos, são determinados de acordo com as necessidades do mercado, é onde se localiza a raiz da opressão sobre a mulher moderna: o patriarcado. Ou seja, a dominação masculina baseada na propriedade privada de bens e, claro, da mulher.
 Dito isso, é importante a organização feminina que coloque em pauta a relação entre sexo e sociedade, que problematize os ditames machistas da mesma, que reconheça a necessidade da luta ser travada também ao lado dos homens - reprodutores de uma lógica hegemônica - e que reconheça a mulher como alguém que, além de ser explorada como “objeto sexual” também o é como trabalhadora. São fatores importantes para uma real contextualização do machismo, ou seja, enquanto houver sistema de exploração capitalista haverá machismo.
O movimento feminista combativo é aquele que  leva em consideração não somente o papel sexualmente ativo da mulher, que tem sua importância, mas também leva em consideração a exploração das mulheres trabalhadoras e o roubo de seu trabalho, a expropriação das horas de trabalho doméstico, a dupla jornada que explora a mulher demasiadamente, ou seja, pautas que mostram que a lógica de funcionamento dessa sociedade precisa também da subserviência da mulher para se manter em vigor.
Além de reconhecermos a necessidade da libertação sexual, temos que considerar a existência de mulheres que além de desejarem ter “vaginas livres e corações rebeldes”, ou “de fazer sexo anal”, precisam de alimento, educação, pão, terra, entre outros fatores nos quais são deixados de lado e que as mesmas precisam para se “libertarem”.

“Entre elas, considero a enorme realidade, o presente é tão grande, não nos afastemos, não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas
O direito ao corpo e a sexualidade são pautas centrais para que[m]?
“o cu é meu e eu dou para quem eu quero”, “as vaginas livres, corações rebeldes”  são para aquelas que pautam seus direitos por meio de reformas possíveis na norma dominante, esquecendo que a base patriarcal e masculina não mudaram.
 Para aquelas que não sofrem diretamente as mazelas das péssimas condições de trabalho, venda do corpo para sobrevivência, violência em todos os âmbitos, velada e naturalizada. Cadê elas neste grito proposto? Continuam em casa como propriedade do patriarca, ou recebendo menos que um homem pelo mesmo trabalho e sofrendo todos os tipos de violências cotidianas.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, as mulheres presentes,
a vida presente.
Tudo isso posto, resta-nos a questão: qual o verdadeiro sentido da marcha das vadias? O que busca para além do questionamento moral/sexual?
Nós, mulheres e homens, não marcharmos por entender que a crítica pela crítica se perde no vazio, que o uso da forma para alertar a sociedade, sem o conteúdo devido não leva a transformação efetiva nenhuma e que a crítica a moral burguesa perdeu-se no tempo e no ocaso precisando ser superada através de ações efetivas que questionem mais do que a moral, que questionem a organização da vida nessa sociedade e o roubo cotidiano de nossas potencialidades humanas, sejam elas sexuais ou não.
Não marcharmos porque ao tirarmos as nossas blusas ou ao gritarmos que “damos para quem quisermos” não superamos a condição de submissão da mulher, não denunciamos à sociedade civil a violência invisível que paira sobre as mulheres trabalhadoras e tão pouco fortaleço a luta de superação dessa sociedade.
Vale lembrar, que enquanto falamos que “todas somos vadias”, esquecemos das mulheres que são “vadias” profissionais, que vendem  o próprio corpo porque na sociedade em que vivemos, ou nos tornamos mercadorias ou deixamos de comer.
Entendemos que além de santas, vadias, tias, avós, mães, somos mulheres na busca de uma sociedade onde a igualdade de potencialidade e a possibilidade de sermos únicas esteja plena, uma sociedade de superação, onde não tenha que me submeter a rótulos porque meu corpo não será mercadoria nem tenha que dar satisfações a sociedade sobre o porque de me vestir assim ou assado.
Não marchamos porque lutamos, não apenas por “vaginas livres”, mas por MULHERES LIVRES, livres, inclusive, da condição de mulher.
“não há emancipação sem feminismo, sem feminismo não há emancipação”.

“Calar o Grito e Gritar o Silêncio”

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Mulher e Universidade



Entendendo a importância do debate sobre a inserção da mulher na universidade no mundo do trabalho, buscamos debater e entender o papel que a mulher cumpre hoje nos meios universitários e no mercado de trabalho. Sabemos que vivemos uma época onde a dupla jornada de trabalho da mulher é amplamente denunciada em todas as mídias e todos os espaços de discussão de gênero e divisão sexual do trabalho, trazendo à tona a grande polêmica sobre a função do trabalho como potencializador da emancipação feminina. Até que ponto a emancipação econômica da mulher significa sua "libertação"? Até que ponto as relações sociais de gênero têm se alterado estruturalmente? Será que hoje, a mulher têm seus direitos mais respeitados do que seus deveres cobrados?! Tantas perguntas! E o que vemos hoje nos movimentos feministas, dos mais variados gostos, de um modo geral, é uma grande confusão teórica e de prática que acaba por fazer o debate girar, girar, girar e voltar para o mesmo lugar. E assim, nossa luta acaba por fragmentar-se e perder-se em meros remendos superficiais.

São apenas algumas questões à seres discutidas e "levadas a roda" para o fortalecimento de nosso debate que deve ser constante, na perspectiva de encontrar saídas para a superação do machismo e da sociedade que o legitima.



Aqui embaixo, seguem dois artigos sobre o tema para potencializar o debate e a nossa atuação enquanto seres humanos dispostos a transformar a sociedade!

Feminismo e gênero na universidade: trajetórias e tensões da militância

A MULHER NO TRABALHO, NA FAMÍLIA E NA UNIVERSIDADE

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Roswitha Scholz: a emancipação das mulheres e a superação do capital

Dividindo algumas reflexões a cerca dos desafios e perspectivas em relação à superação do patriarcado moderno.



Escrito por Demétrio Cherobini
09-Dez-2010 - Correio da Cidadania


Em 1846, veio à luz um artigo de Marx que, infelizmente, passou quase despercebido aos seus posteriores discípulos e críticos: Sobre o suicídio, uma brochura de algumas dezenas de páginas que analisava situações de suicídio, a maioria de mulheres, ocorridos na França, durante aquele período histórico singular. O filósofo mostrava em seu texto como o capitalismo era uma formação social que oprimia não somente os trabalhadores, mas indivíduos das mais diversas origens e segmentos sociais. Entre as vítimas "não-proletárias" levadas ao desespero e ao auto-aniquilamento pelas pressões da sociedade burguesa, estavam, sobretudo, as mulheres. Na visão de Marx, era a opressão sócio-político-econômica do capitalismo, articulada à, nas suas palavras, "tirania familiar" (patriarcal) – que permitia aos homens tratar suas esposas como objetos -, que levava as mulheres à trágica decisão de liquidar com suas próprias vidas. O suicídio, nesse contexto, foi interpretado pelo pensador alemão como uma espécie de protesto contra uma condição bárbara e degradante, e por esse motivo deveria estar isento de todo e qualquer tipo de julgamento moralista ou condenação preconceituosa. Para Marx, uma "sociedade" que pratica atrocidades desse teor não merece nem mesmo ser chamada de sociedade, pois "mais parece uma selva habitada por feras selvagens". Esse artigo constituiu-se, naquela época, numa crítica radical e sem concessões da subordinação feminina e da natureza opressiva do tipo de organização familiar vigente na sociedade capitalista. Em nosso tempo histórico, por sua vez, pode se converter em material fecundo para instigar um rico debate sobre a relação das lutas feministas com todos os outros movimentos organizados que têm por objetivo a emancipação humana. Nesse sentido, então, vale a pena perguntar: de que modo podemos entender a articulação que existe entre a ordem dominada pelo capital e a opressão das mulheres?


Roswitha Scholz (1), filósofa alemã que se debruça sobre tais questões há mais de trinta anos, tem muito a nos ensinar a respeito. De acordo com sua teoria, no capitalismo, diferentemente de outros tipos de sociedade, a formação do valor (que constitui, segundo ela, a essência da relação-capital e que exige, pois, para sua efetivação, subordinação hierárquica e discriminação material e psíquica) envolve sobretudo uma relação sócio-psíquica específica, onde certas "qualidades, atitudes e sentimentos avaliados como menores (sensualidade, emocionalidade, fraqueza de caráter e de entendimento etc.) são projetados sobre ‘a mulher’ e dissociados pelo sujeito masculino, que se constrói como forte, realizador, concorrencial, eficiente e por aí afora [grifos em negrito nossos]". Se essa teoria for correta, ela está repleta de uma série de implicações políticas, tanto para os que lutam contra a exploração do sistema do capital, quanto para os que buscam o fim da opressão de gênero e da desigualdade prática que existe entre homens e mulheres, pois demonstra que esses dois combates, para serem vitoriosos nos seus propósitos, devem ser realizados de uma forma articulada e coerente. Sigamos, pois, para nosso esclarecimento, o raciocínio sutil da filósofa.


Roswitha Scholz quer compreender a relação entre o capitalismo e o patriarcado, entre a formação social onde predomina a produção do valor e a violenta sujeição que os homens realizam sobre as mulheres. Com esse intento, entabula uma profunda investigação a fim de verificar as várias formas de expressão da dominação masculina nas sociedades ocidentais ao longo da história.


O patriarcado é, para Scholz, uma criação cultural e histórica. O patriarcado ocidental, ligado à forma-valor, teve sua origem, segundo a filósofa, na Grécia antiga, e persistiu durante o Império Romano. Nessas sociedades, as condições específicas vigentes fizeram surgir uma esfera pública que os homens tomaram como exclusividade sua.


"As mulheres atenienses viviam exiladas em casa, de onde deveriam sair o menos possível. A principal tarefa da mulher era conceber um filho; caso isso não ocorresse, sua vida teria sido em vão. A hipóstase da nova esfera pública, que exigia a conduta abstrata e racional, andava de mãos dadas com a degradação da sexualidade em geral. A ascensão do pensamento racional associou-se já desde o berço à exclusão das mulheres. A esfera pública, de quem também fazia parte a formação cultural, necessitava (na figura da esfera privada) de um domínio que lhe fosse contraposto, para o qual pudesse olhar do alto de sua posição. O homem precisava da mulher como ‘antípoda’, no qual ele projetava tudo o que não era admitido no âmbito público e nas esferas adjacentes. Assim, já na antiga Atenas, a mulher era tida e havida na conta de lasciva, eticamente inferior, irracional, intelectualmente pouco dotada etc. – atributos esses que permaneceram em vigor até à modernidade [grifos em negrito nossos]".


Na Idade Média, condições históricas diversas fizeram com que desmoronasse a antiga diferenciação entre esfera pública e privada. Scholz afirma que, na sociedade medieval, chegaram a subsistir mesmo resquícios "semimatriarcais" no seio do patriarcado, especialmente entre as tribos germânicas, onde as mulheres desfrutavam de uma espécie de "significação mística". A própria figura da bruxa não era vista de antemão como negativa, pois se considerava que, se a magia poderia resultar em algo "mau", também era capaz de produzir algo "bom". Nesse período, a mulher era juridicamente subordinada ao marido e podia até ser negociada como escrava ou cabeça de gado. Mas, por outro lado, também tinha a possibilidade de dedicar-se ao comércio e ocupar-se de um ofício fora do ambiente doméstico (isto na chamada Alta Idade Média). Além disso, possuía ainda uma certa autoridade no interior da família e tinha a chamada "última palavra" como administradora do lar.


No início da Idade Moderna, a condição das mulheres foi dificultada drasticamente. Isso se deveu ao "renascimento" do antigo mundo cultural grego e às respectivas mudanças nos fundamentos da sociedade.


"Embora os estágios evolutivos da Idade Média sejam bastante diversos no que respeita às mulheres, sendo muitas vezes contraditórios e avessos a uma imagem uniforme, podemos observar no início da Idade Moderna que a situação das mulheres piorou a olhos vistos, como dão prova as repressões por elas sofridas em todos os âmbitos sociais. Quanto mais se desenvolvem uma esfera pública supra-regional, uma jurisdição estatal e uma ciência institucionalizada, mais nítido se torna o papel marginal atribuído à mulher [grifos em negrito nossos]". (Becker, apud Scholz)


As transformações desse período já deixavam entrever o capitalismo nascente e a conseqüente sociedade do valor. O "feminino" sofreu aí uma campanha da aniquilação. Se na figura da bruxa, que se fez presente na etapa histórica anterior, ela, a mulher/bruxa, mantinha uma relação "simpática" com a natureza (e até fazia as vezes de natureza, em certo sentido), agora, com o predomínio da racionalidade do homem moderno, tudo isso precisava ser reconfigurado. Não que a mulher perdesse essa associação com o místico e o natural. Mas, porque o próprio "natural" era concebido de forma diferente, como objeto de domínio. Nesse contexto, evidentemente, também a mulher precisava ser dominada. E a Igreja, por sua vez, contribuía enormemente para a sujeição do feminino. Como explica Scholz,


"Não se tratava apenas do fato de os homens expropriarem brutalmente a ciência medicinal empírica das mulheres; antes, o que estava em jogo era um projeto fundamentalmente diverso de relacionamento com a natureza. A fundamentação teórica é fornecida sobretudo pelo chamado Malleus maleficarum (O martelo das bruxas), de 1487, redigido pelos padres H. Kraemer e J. Sprenger. Pais da Igreja, poetas e pensadores antigos eram citados no fito de tornar plausível a inferioridade da mulher e sua predisposição à bruxaria e ao pacto com o demônio. Imputavam-se mais uma vez às mulheres atributos como inconstância, concupiscência, raciocínio débil,
extravagância, perfídia e credulidade [grifos em negrito nossos]".


A ética protestante, nesse período, também não foi nada benevolente com as mulheres. Para Scholz, a Reforma se empenhou em domesticar a mulher, fazendo com que ela levasse uma vida serena, amável, humilde, controlada pelo patriarcado e encerrada "no claustro do casamento". (Lutero teria sido, nesse contexto, um dos principais responsáveis por tal concepção acerca do feminino).


Já a era do Iluminismo, por sua vez, deu novo impulso a essa "domesticação". Apesar do fato de que alguns dos filósofos da época defendessem o projeto de uma emancipação igualitária entre os gêneros, tais concepções não foram capazes de se impor na prática, em virtude do peso do tipo de processos sociais nos quais estavam inseridas, "a saber, a progressiva socialização pelo valor", como explica Scholz [grifos em negrito nossos]. Esse tipo de socialização exigia, segundo a filósofa, uma certa diferenciação dos papéis patriarcais entre os sexos, onde a mulher deveria destinar-se, "por natureza", a ser não mais que esposa, dona-de-casa e mãe.


Note-se que, desde o princípio da Idade Moderna, é possível verificar a persistência e o acentuamento entre as esferas do público e do privado e a restrição da atividade da mulher a este último domínio. Scholz afirma que o período do Iluminismo, em especial, atribuiu a essa divisão uma nuance peculiar: a polarização de caráter dos sexos.


"Na medida em que à mulher se imputavam novas qualidades como passividade e emotividade (se bem que agora restritas ao círculo familiar burguês) e ao homem, por sua vez, a ação e a racionalidade no espaço público da incipiente sociedade industrial, ocorreu uma ‘polarização de caráter entre os sexos’. A mulher e a família deviam converter-se em pólos de oposição ao mundo externo cada vez mais dominado pela racionalidade instrumental. Cabia à mulher não apenas ser uma dona-de-casa exemplar, mas também tornar agradável a vida do marido com sua assistência, seus cuidados e seu interesse. Essas tarefas adicionais representavam uma inovação. À diferença dos primeiros patriarcados da Antiguidade, presos à forma-valor, em que o homem ainda encontrava sua satisfação na própria esfera pública, elas são testemunha do quanto a racionalidade patriarcal e do valor fugiu ao controle do homem nesse meio tempo, do quanto ele depende agora de um ‘bem-estar doméstico’ propiciado pela mulher [grifos em negrito nossos]".


No século XIX, as cisões entre o feminino e o masculino e entre o privado e o público se aprofundaram. A "vocação" materna da mulher da sociedade burguesa acentuou-se ainda mais. O sujeito feminino recebeu a tarefa precípua de manter a família em equilíbrio, realizar os afazeres domésticos e dar cabo de tudo que tivesse um cunho mais pessoal na vida conjugal, ao passo que o homem, que tinha no âmbito público seu locus "natural" de atuação realizadora, foi talhado para atividades produtivas em múltiplos campos: ciência, tecnologia, cultura etc. Este século, contudo, assistiu a proliferação de vários movimentos feministas (muitos deles burgueses) que exigiam a modificação das condições de existência das mulheres. Essas lutas se prolongaram no século XX (especialmente em sua segunda metade) e deram a impressão de que a relação entre os sexos estava a sofrer grandes mudanças, com as mulheres transcendendo o espaço doméstico/privado no qual os homens queriam lhes confinar a todo custo.


Ora, pergunta-se Scholz: na contemporaneidade a situação das mulheres estaria melhor? Aqui, há que se ter um pouco de cuidado e atenção para ir além do aparente e de suas conseqüentes conclusões precipitadas. Para a filósofa alemã, o que se verifica hoje é, na verdade, uma contradição muito mais aguda do que a que ocorria em épocas anteriores. Para entender como isso se dá, é preciso que nos detenhamos brevemente sobre sua teoria do valor-dissociação. De que trata, pois, tal formulação? Scholz parte de uma compreensão crítica acerca das concepções de Marx sobre o que constitui a essência do capital.


De acordo com o pensador alemão, o capital é um sistema que se realiza pela valorização do valor. Para que esse processo ocorra, mercadorias precisam ser produzidas e trocadas no mercado. Nesse contexto, é uma condição sumamente necessária que as mercadorias tenham um valor de troca. No mercado, as trocas de mercadorias só se realizam por valores equivalentes. Ou seja, uma mercadoria só pode ser trocada por outra de mesmo valor. Mas o que é que determina o valor de uma mercadoria? Para Marx, não é nenhuma característica física capaz de satisfazer certa necessidade humana (isto é, o seu valor de uso). O valor das mercadorias só pode ser formado pela presença nelas de um elemento que seja comum a todos os tipos de mercadorias. E qual é esse elemento? Numa palavra, o trabalho humano. Nas palavras de Marx (1978, 74-5), "quando consideramos as mercadorias como valores, vemo-las somente sob o aspecto de trabalho social realizado, plasmado ou, se assim quiserdes, cristalizado. […] os valores relativos das mercadorias se determinam pelas correspondentes quantidades ou somas de trabalho invertidas, realizadas, plasmadas nelas. As quantidades correspondentes de mercadorias que foram produzidas no mesmo tempo de trabalho são iguais. Ou, dito de outro modo, o valor de uma mercadoria está para o valor de outra, assim como a quantidade de trabalho plasmada numa está para a quantidade de trabalho na outra".


Para gerar capital, o capitalista, em primeiro lugar, vai ao mercado e compra matéria-prima, instrumentos de trabalho e força de trabalho (que só pode ser fornecida por trabalhadores dispostos a vendê-la). Esses elementos (que são todos mercadorias) possuem um certo valor determinado (valor este que é definido pela quantidade de tempo de trabalho social passado plasmado nessas mercadorias, inclusive na força de trabalho). Quando os trabalhadores colocam em movimento esses meios de produção (os instrumentos de trabalho e a matéria-prima), o produto que daí surge possui um quantum de valor maior (porque no produto foram invertidas mais horas de trabalho social) do que aquele presente nas mercadorias no início do ciclo. Este novo valor é trocado no mercado por uma soma de valor exatamente equivalente à sua. Uma parte do valor em dinheiro obtido pela venda da mercadoria é destinada a repor as mercadorias originais (meios de produção e força de trabalho). A outra parte do valor (o valor excedente, a mais-valia) é apropriada pelo capitalista. Como a essência do sistema do capital é produzir valores para serem trocados no mercado, subordinando para tal fim as próprias necessidades dos sujeitos históricos (diz-se que o valor de troca subordina o valor de uso), ocorre que a formação do valor passa a funcionar por si mesma, automaticamente, fazendo das pessoas meros apêndices do processo de produção de mercadorias. É como se, então, o próprio capital se tornasse o "sujeito" e as pessoas os "objetos" desse circuito. (Mas como o capital não pode ser mais do que um pseudo-sujeito, diz-se que, na verdade, a sua realização ocorre a partir de um processo sem sujeito). A este fenômeno Marx denominou fetichismo. O movimento de produção do valor é eminentemente fetichista, pois o capital adquire propriedades de sujeito (se "humaniza", isto é, passa a ser a fonte da atividade e a criar imperativos práticos de ação) e as pessoas adquirem características de objeto (se "coisificam", isto é, viram objetos para o processo de produção de mercadorias).


No geral, Roswitha Scholz concorda com essa concepção de Marx, embora acredite que, no contexto contemporâneo, o trabalho abstrato (que é o que gera valor de troca, ao contrário do trabalho concreto, que é o que dá à luz valores de uso) esteja em "crise". Isso não invalida, contudo, a teoria de que o capital é essencialmente um mecanismo centrado na formação de valor excedente. A filósofa acrescenta apenas que esse processo envolve especificação sexual. Ou seja, é um determinado patriarcado que produz as mercadorias e, nesse movimento, projeta sobre as mulheres certas características que serão dissociadas da formação dos valores. Isto já era visível no patriarcado grego (que mantinha atividades comerciais mercantis). E, mais ainda, do Renascimento em diante, quando os processos que envolviam a realização do capital foram novamente despontando no horizonte histórico e se consolidando a seguir. É nesse sentido, como afirma Scholz, que "o valor é o homem, não o homem como ser biológico, mas o homem como depositário histórico da objectivação valorativa. Foram quase exclusivamente os homens que se comportaram como autores e executores da socialização pelo valor. Eles puseram em movimento, embora sem o saber, mecanismos fetichistas que começaram a levar vida própria, cada vez mais independente, por trás de suas costas (e obviamente por trás das costas das mulheres). Como nesse processo a mulher foi posta como o antípoda objectivo do ‘trabalhador’ abstracto – antípoda obrigado a lhe dar sustentação feminina, em posição oculta ou inferior -, a constituição valorativa do fetiche já é sexualmente assimétrica em sua própria base e assim permanecerá até cair por terra [grifos em negrito nossos]".


Essa dissociação na formação do valor foi responsável por uma divisão das esferas sociais entre público e privado, onde a primeira foi tomada como o campo "natural" de atuação dos homens, e a última, das mulheres. Na segunda metade do século XX, as mulheres conseguiram transcender em parte a clausura do lar e do ambiente privado imposta a elas pelos homens. Contudo, em nossos dias, onde, na visão de Scholz, a família tradicional nuclear tende a se dissolver, as mulheres ainda aparecem numa condição que ela chama de "duplamente socializadas", isto é, responsáveis tanto pela família como pela profissão. Isto significa que as mulheres ainda aparecem como as principais responsáveis pelas atividades "reprodutivas" (próprias ao ambiente familiar) e, juntamente com isso, têm de desempenhar atividades profissionais nas quais ganham menos, recebem menos oportunidades de promoção e assim por diante.


É exatamente por essa razão que, segundo a filósofa, é errôneo dizer que em nossos dias o patriarcado se enfraqueceu. Para Roswitha Scholz, ele, na verdade, se asselvajou, pois, em nosso contexto, as mulheres, que são "duplamente socializadas", também são, por conseguinte, duplamente oprimidas: ao venderem a sua força de trabalho e no âmbito doméstico. Vivemos hoje, portanto, o período do asselvajamento do patriarcado.


Como superá-lo? Ora, se se entende que esse patriarcado está relacionado com um tipo específico de atividade social, que tem na realização do valor o seu fundamento, a superação da dominação de gênero exige que se vá além exatamente desse modo de sociabilidade vinculada à produção de mercadorias, à produção de valor. Nas palavras de Scholz: "A fim de enfrentar a crise de modo produtivo, há que se constituir uma ‘esquerda feminista’ que tenha consciência tanto subjetiva e pessoal quanto objetiva e social do mecanismo de cisão [entre os gêneros]. Um feminismo nesses moldes não se pode dar ao luxo de restringir-se às mulheres e ao movimento feminista. Tanto homens quanto mulheres têm de compreender que ‘nossa’ sociedade é determinada pelo patriarcado e pelo valor. [...] além disso, é urgente a luta feminista de ambos os sexos contra as formas de existência sociais, objetivadas e reificadas das cisões patriarcais produzidas pelo valor. A superação do patriarcado é ao mesmo tempo a superação da forma fetichista da mercadoria, pois esta é o fundamento da cisão patriarcal. O objectivo revolucionário seria portanto um grau mais elevado de civilização, no qual homens e mulheres sejam capazes de fazer pelas próprias mãos sua história, para além do fetichismo e de suas atribuições sexuais [grifos em negrito nosso]".

A teoria de Roswitha Scholz é, evidentemente, muito mais rica e cheia de nuances do que esta exposição. Fica o convite para a leitura de seus textos, muitos dos quais estão à disposição, em português, no site do grupo intelectual do qual a filósofa faz parte, o Exit (http://obeco.planetaclix.pt/). Mais do que uma mera e imperfeita apresentação, este texto visou, sobretudo, realizar um convite à leitura da obra desta insigne pensadora, que nos recomenda que, tal como a crítica dos processos fetichistas do capital, também a crítica à opressão de gênero deve ganhar um lugar central em nossa agenda de lutas.
Nota:

1 - Todas as citações de Scholz que faremos aqui são do texto indicado na bibliografia. Os grifos em negrito e sublinhado são de nossa autoria.


Referências:

MARX, Karl. Salário, preço e lucro. In MARX, Karl, Os pensadores (Seleção de textos de José Arthur Gianotti). São Paulo: Abril Cultural, 1978.
MARX, Karl. Sobre o suicídio. São Paulo: Boitempo, 2006

SCHOLZ, Roswitha. O valor é o homem – Teses sobre a socialização pelo valor e a relação entre os sexos. (1992) In http://obeco.planetaclix.pt/rst1.htm

Demétrio Cherobini é licenciado em Educação Especial (UFSM), bacharel em Ciências Sociais (UFSM) e mestrando em Educação (UFSC).